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Polícia deteve jornalistas que cobriam marcha de estudantes

Pelo menos três jornalistas foram detidos no Sábado pela polícia, em Luanda, quando cobriam uma manifestação de estudantes, que foi impedida pelas autoridades. A detenção foi condenada pelo Comité para a Protecção de Jornalistas (CPJ), que manifestou surpresa pelo facto de as autoridades prosseguirem uma actuação que contraria o direito à informação.

Registro autoral da fotografia

Há 18 horas
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Os jornalistas, que estiveram detidos por mais cinco horas, já foram soltos, e em declarações à Lusa, queixaram-se de ter sido ameaçados e obrigados a entregar os telemóveis

O director do portal angolano de notícias TV Maiombe Jubileu Panda disse que tentou identificar-se perante o comandante da polícia, que não o deixou falar, e foi insultado e obrigado a sentar-se no chão.

“(O comandante) chamou a viatura da patrulha e orientou que nos levassem e ficámos detidos por cinco horas em qualquer esclarecimento sobre as razões da nossa detenção, e inclusive, fotografaram as nossas carteiras profissionais e mandaram-nos assinar alguns documentos” disse.

Também o jornalista do Jornal Folha 8 e TV 8 Hermenegildo Caculo lamentou o sucedido, dizendo ter sido detido quando entrevistava um dos manifestantes.

“Quando um dos nossos colegas questionou as razões da nossa detenção, um dos agentes ameaçou efectuar disparos ao colega Dionísio António, do Jornal ‘Secreto’, caso voltasse a fazer perguntas. Fomos torturados psicologicamente, humilhados e ameaçados de morte” alegou.

O correspondente da DW África Borralho Ndomba, que esteve detido por trinta minutos, contou à Lusa que foi obrigado a entregar os seus telemóveis e microfones.

“Enquanto eu fazia a cobertura da manifestação, quatro polícias em motorizadas, cercaram-me e solicitaram os meus documentos, incluindo a carteira profissional, receberam os meus telemóveis e o microfone, obrigaram-me a tirar o código dos meus telemóveis, fizeram vistoria no meu WhatsApp, pois pretendiam apagar os registos que eu tinha feito, mas não encontraram nada porque eu tinha feito a reportagem em directo no Facebook, na página da DW. Após efectuarem ligações, não sei para quem, devolveram-me os meus equipamentos e soltaram-me trinta minutos depois”, relatou.

Detenção de jornalistas condenada pelo CPJ

O Comité para a Protecção de Jornalistas (CPJ) condenou a detenção de profissionais da comunicação social que cobriam uma marcha em Luanda, manifestando surpresa pelo facto de as autoridades prosseguirem uma actuação que contraria o direito à informação.

Segundo o CPJ e informações recolhidas pela Lusa, três jornalistas foram detidos numa esquadra de Luanda, enquanto um repórter da DW foi cercado no local do protesto por polícias, que inspeccionaram também o seu telemóvel.

Em declarações à Lusa, a coordenadora do programa para África daquela organização não-governamental, Angela Quintal, disse que seria de esperar que as autoridades angolanas já estivessem esclarecidas sobre os direitos dos jornalistas e o direito à informação.

“Dado que a liberdade de expressão está constitucionalmente consagrada em Angola, eles devem ter autorização para fazer o seu trabalho sem medo de represálias”, afirmou a responsável, acrescentando que têm sido feitos vários apelos ao longo dos anos para que a actuação da polícia mude.

O caso aconteceu no último dia de uma missão de uma semana da CPJ em Angola, com o objectivo de sensibilizar as autoridades angolanas para porem fim à criminalização da difamação.

“Desde 2016, documentámos pelo menos 25 jornalistas que enfrentaram acusações criminais de difamação”, afirmou, indicando que há pelo menos um jornalista que foi alvo de 117 processos.

“Vemos a difamação criminal como uma forma de silenciar jornalistas em Angola”, prosseguiu Angela Quintal, lembrando que a própria União Africana (actualmente presidida por Angola) tem defendido a descriminalização da difamação, tal como outros países africanos.

“Já se passaram 50 anos desde a independência de Angola, é altamente irónico que uma lei colonial ainda esteja a ser aplicada pelo governo de Angola, 50 anos após a liberdade, após a independência”, frisou, sublinhando que existem outras formas, como a auto-regulação ou os processos cíveis.

Angela Quintal abordou também o projecto de lei sobre ‘fake news’ que o governo quer apresentar na Assembleia Nacional, o qual prevê criminalizar a disseminação de informações falsas na internet com penas entre um e dez anos de prisão, para travar a propagação de notícias falsas nas redes sociais.

“O que vimos na proposta de lei é motivo de grande preocupação. É realmente alarmante”, salientou a responsável da CPJ, considerando que algumas das disposições são draconianas e que, se for aprovada, a lei vigorará em período de eleições, previstas para 2027.

“O que vai acontecer é que a imprensa será silenciada. Desde o aumento das multas até ao facto de que alguns meios de comunicação podem ser fechados por causa de supostas notícias falsas”, apontou, referindo que estas disposições não deveriam ser aplicadas.

“Temos visto isso em todo o mundo, não apenas em África. As leis sobre notícias falsas são frequentemente definidas de forma tão ampla que são usadas para reprimir a independência e o discurso crítico. E é por isso que estamos extremamente preocupados”, reforçou.

A polícia travou no Sábádo a marcha convocada pelo Movimento de Estudantes Angolanos (MEA) para protestar contra a falta de condições nas escolas de Luanda e deteve dezenas de jovens, segundo informações da organização estudantil.

A Lusa contactou o porta-voz da Polícia Nacional do Comando Provincial de Luanda, Nestor Goubel, que remeteu para mais tarde esclarecimentos sobre a actuação policial e as detenções.

C/VA